Por: Marcos Aurélio Chagas.
El Salvador é um lugar que particularmente eu adoro, apesar de ser um país pequeno, é um destino que oferece aos visitantes uma rica variedade de atrações e experiências, vulcões majestosos, lagos, cachoeiras, parques nacionais, sítios arqueológicos, belas praias e claro, surfe de classe mundial - não apenas em La Libertad, onde ondas como Punta Roca e La Bocana podem fazer parte de qualquer nível de competição em seus bons dias, mas também na região de Las Flores, onde ondas como Punta Mango seria melhor que ao menos um terço das locações do atual tour.
Confesso que eu desejei muito ver uma etapa do tour em El Salvador, mas os dois primeiros anos não expressaram nem de longe o potencial de ondas daquele lugar, somando a isso as bizarrices vistas no julgamento, que dentre outras coisas levou a lenda do surfe brasileiro Icaro Cavalheiro a se desligar da WSL, 2022 e 2023 foram anos que não deixaram uma boa impressão sobre o local. Este ano, apesar de ainda não ser o El Salvador clássico, que quebra durante aproximadamente 200 dias do ano, já está bem mais próximo da realidade, fato que traz bem mais atenção ao evento.
Os dois primeiros dias do Surf City El Salvador Pro mexeram com o fluxo natural do ranking, dois grandes nomes, que despertam muita paixão e idolatria, que chagaram em Punta Roca como TOP5, foram eliminados logo nas fases iniciais. Após vencer INCONTESTAVELMENTE John John e os juízes em Teahupoo, Ítalo chegou confiante em El Salvador para manter a boa fase e defender sua posição dentro dos cinco surfistas que vão para o questionável WSL Finals. No entanto, no Opening Round, o potiguar que surfava sob o conforto da lycra vermelha, não conseguiu superar o tricampeão mundial Gabriel Medina, o confronto acabou levando Ítalo e Fioravanti à repescagem. Na repescagem a ousadia e a solidez de Ítalo ruiu frente ao local Bryan Perez, um confronto que não deixou margem para qualquer subjetividade, Perez foi o notório campeão, mas essa vantagem não foi necessariamente baseada exclusivamente no surfe, sim, ele surfou muito, verticalizou e voou como se fosse Ítalo, mas eu diria que o conhecimento local foi fundamental, as escolhas das ondas deu a Perez a segurança para arriscar onde ele poderia arriscar, ao passo que Ítalo era traído por bumps e ataques ferozes a lips que sumiam rapidamente, neste cenário, Perez avançou para delírio da torcida e Ítalo saiu do topo do pódio em Teahupoo para o abismo da derrota precoce em El Salvador. Nem sempre a glória é eterna, muitas vezes é um lembrete de que o topo não é um destino final, o desafio reside em manter a chama acesa diante das inevitáveis provações, como o verdadeiro campeão que Ítalo é, aprender com a derrota é parte da jornada, um trampolim necessário para alcançar novas vitórias.
Griffin Colapinto é um surfista que todos veem como potencial campeão mundial, desde que entrou no tour o californiano surfa de igual para igual com qualquer adversário, em qualquer condição, o surfe de Griffin exala leveza e ousadia, mas, se existe uma característica contraditória a sua própria natureza, no surfe do Griffin, é o fato de que, na hora H ele parecer sentir a pressão. Em 21 e 22, Griffin encontrava-se dentro dos TOP5 para disputar o título mundial em seu quintal até a penúltima etapa antes do WSL Finals. Ao chegar na última, ele perdeu por duas vezes a chance de estar entre os cinco por apenas uma bateria, em 23, enfim ele conseguiu se manter entre os cinco, mas foi atropelado por Ethan Ewing, que deixou Griffin sem forças para reagir, jogando um balde de agua gelada e salgada na torcida que lotava Trestles. Agora, depois de surfar em Teahupoo com a lycra amarela e perder no Elimination Round, perdendo a liderança do ranking para John John, em El Salvador, o Colapinto mais velho, depois de cometer uma interferência infantil em João Chianca, deu adeus a competição no R16, por isso está caindo ainda mais no ranking, se colocando em grande desvantagem na busca por seu primeiro titulo mundial, mais uma vez.
Depois de deixar surfistas, empresas transmissoras e fãs aguardando o dia inteiro no sábado, desde as 11hs da manhã, com inúmeras chamadas frustradas, enfim as 18:05 a WSL anunciou o day off.
No domingo o dia começou com oito surfistas classificados para as quartas de final, com três brasileiros entre os oito, o Brasil foi a nação com maior número de surfistas nesta fase, o que durou pouco, nuca é demais devanear sobre a obviedade de que Gabriel Medina e João Chianca abririam o round em um confronto onde um brasileiro deixaria a competição. Gabriel e Chianca fizeram uma bateria relativamente morna, Gabriel por surfar de back conseguiu verticalizar e impor mais potência nas manobras, Chianca usou suas tradicionais rasgadas sempre invertendo a direção, os dois seguiram o manual daquilo que era possível fazer naquele momento. Com Gabriel de back e Chumbinho de front, a verticalidade de Gabe levou vantagem, o tricampeão avançou tranquilamente para aguardar seu adversário nas semifinais.
Yago Dora entrou no mar na sequência contra seu amigo Jack Robinson, o brasileiro vem construindo um muro alto na cabeça de Robbo, o australiano havia perdido para Yago em Teahupoo nas condições ideais para ele, agora, no evento seguinte, Robbo perdia mais uma vez para Yago em condições completamente diferentes de Teahupoo, em 10 dias Jack perdeu nos tubos e nas manobras para o amigo brasileiro, se ele quiser mudar esse paradigma vai ter que conseguir construir uma porta neste muro, pular está difícil. Ao avançar, Yago enfrentaria Medina na semifinal, confronto que garantiria um brasileiro na final.
John John foi John John e Crosby foi Crosby na bateria seguinte, o havaiano apresentou firulas técnicas de várias naturezas para esperar o sul-africano que seria seu adversário na semifinal, uma vez que Jordy Smith e Matthew McGillivray disputavam a ultima bateria das quartas. Jordy, que neste momento, com a saída de Kelly, é o tio do tour, apresentou seu surfe polido com arcos longos e links limpos, aproveitando com muita plasticidade as paredes de Punta Roca, mas a impetuosidade, a verticalidade (mesmo de front) a velocidade e os riscos assumidos por Matthew, fez com que a polidez de Jordy parecesse algo arcaico, como diríamos aqui na Bahia, Matthew brocou e Jordy sifu.
Gabriel e Yago entraram na água na sequencia, Yago logo na largada pegou uma onda qualquer, manobrou passando, adquiriu velocidade e finalizou com um full rortation, abrindo a bateria com um 8.33, tudo sob a supervisão do olhar de Gabe, sentado na prancha lá fora, Gabriel parecia Wilko e Owen em 2015 observando ele ao voar monstruosamente em uma merreca na França. Medina esperou uma onda com mais parede, tentou responder dentro do jogo de aéreos impostos por Yago, mas nesse jogo, Yago tem se mostrado imbatível atualmente. Na onda seguinte Yago voou ainda mais alto, aplicando um raro single grab de back, além de uma manobra arriscadíssima, foi uma manobra carregada de plasticidade e estilo, a nota foi ainda mais alta, em poucos minutos Yago facilmente colocou o tricampeão em combinação. Em voo de imagens sobre a área dos atletas, era notório ver estampado no rosto dos outros surfistas uma pontinha de felicidade, não por satisfação em ver Gabriel sangrar, mas sim por ver o cara que coloca todos em combinação, dentro de uma comb simplesmente blindada, sem chances de saída. Yago seguiu sobrando contra Gabriel que poderia surfar de igual para igual contra Yago se optasse por combinações de manobras de borda com progressividade, mas no jogo individual dos aéreos, Gabe foi surpreendentemente esquartejado por um Yago incontestavelmente finalista.
Na bateria seguinte John John resolveu colocar em pratica toda sua progressividade, vencer Matthew pareceu ser um objetivo secundário, impressionar Yago talvez tenha sido seu maior objetivo, o surfe do havaiano gritava para o brasileiro: “Se liga o que você vai encarar na final bro”, com um 10.00 perfeito em uma de suas ondas, assim como Yago, John John também colocou seu adversário na comb. Dizem que a perfeição reside na elegância da simplicidade, naquilo que é feito com esmero e cuidado, exatamente como a execução da onda 10.00 de John John, depois do 10.00 perfeito o havaiano desacelerou e esperou a buzina tocar, para encarar sua quarta final em sete etapas.
Enquanto isso as Hashtags das transmissões brasileiras se avolumavam com críticas ao 10.00 de John John. Às vezes, contamos mentiras para nós mesmos para evitar lidar com a dura realidade ou com emoções dolorosas, podemos reclamar de muitos julgamentos, principalmente o julgamento das ondas de John John em Teahupoo este ano, mas não podemos fugir da realidade, o julgamento em El Salvador provavelmente foi o mais coeso do ano.
Caroline Marks e Gabriela Bryan, as principais representantes do power surfe feminino, entraram na agua para disputar o título em El Salvador. Caroline, com a difícil missão de defender a permanência do título em suas mãos, não abdicou do direito de atacar os LIPs, sem aliviar em momento algum, sempre muito precisa e confiante nas direitas de Punta Roca. Gabriela não foi diferente, agrediu, verticalizou, mas não o suficiente para tirar das mãos de “Caroline Marks Occhilupo” o segundo título seguido em El Salvador. Se você observar o desenho do surfe feminino este ano, verá que a nova geração engoliu as veteranas, não sei se a volta de Carissa e Steph terá o brilho de outrora. Aguardemos!
A final masculina entrou na água com John John abrindo a bateria, o havaiano fez questão de apresentar seu cartão de visita a Yago, mostrando como seria a disputa. Em sua primeira onda, John John rasgou forte, passou algumas seções em alta velocidade mirando o aéreo, ele achou a rampa no ponto certo e voou, aterrissando limpo, certamente foi uma boa onda, mas 8.50 me pareceu ligeiramente exagerado, na sequência, o havaiano fez questão de anotar sua back up wave rapidamente, parecendo não querer deixar o perigosíssimo Yago confortável no jogo, em sua segunda onda, John John usou a mesma combinação de manobras com a progressividade do aéreo, o bicampeão foi remunerado com um sete alto, neste momento Yago ainda não tinha construído uma onda sólida, a fatura parecia fechada, desta vez Yago estava em combinação. Sem a prioridade, o goofy entrou em uma onda intermediária, deu três pauladas entrando e saindo vertical, para finalizar a onda com um reverse, os juízes pontuaram a onda de Yago com 9.77, a melhor nota da bateria, o que deixou o confronto completamente aberto novamente, o desconforto ficou visível no semblante de John John imediatamente, já que Yago precisaria apenas de um seis baixo para virar a bateria, enquanto o havaiano precisaria de uma nota na casa dos oito pontos para trocar o placar, mas o surfe não tem um roteiro escrito apenas pela confiança ou desconforto dos surfistas, eles são apenas os gladiadores na arena, Netuno, o escritor dessa história, providenciou uma calmaria no mar que possivelmente deixou até as gaivotas que pairavam no horizonte entediadas com a falta de ondas, como uma espécie de lembrete a Yago de que nem tudo estava sob o controle dele, o brasileiro provavelmente se perguntou: “Onde estão as ondas que me trouxeram até aqui?" A resposta dele não veio até o soar da buzina, quando John John em sua quarta final do ano, sagrou-se campeão em El Salvador, quebrando um jejum de três anos e meio desde sua ultima vitória, sendo o primeiro surfista a se garantir no WSL Finals.
John John venceu incontestavelmente, ainda que a melodia das series tenham silenciado nos minutos finais. Yago possivelmente tem se auto avaliado mais honestamente ultimamente, como resultado, ele tem tido a chance de se colocar com mais frequência onde seu surfe merece, nas semifinais e nas finais, em duas etapas ele deixou a 22º para a 8ª colocação. O Brasil colocou seus três surfistas entre os TOP10, fato que na atual circunstância já é algo positivo, dava para ir mais longe, mas nem sempre os finais são felizes, só não é possível dizer isso até o momento, para o imparável John John!
El Salvador foi para conta, apresentando sua melhor versão em três anos, próxima parada será em Saquarema, onde o espetáculo que vem das areias é tão grande quanto o espetáculo dentro d’água.
Até Saquarema, onde o finalista em El Salvador Yago Dora, vai defender o titulo da etapa.
Yago é um monstro que está acordando.
Até lá!
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