Por: Marcos Aurélio Chagas.
Fora do tour desde 2017, Cloudbreak, uma das mais fascinantes e icônicas ondas voltou ao calendário do Circuito Mundial, naquela ocasião, nomes como Mick Fanning, Joel Parkinson, Julian Wilson e muitos outros ainda competiam e brigavam pelo título da etapa, mas o irreverente Wilko (Matt Wilkinson), sagrou-se o grande vencedor daquele ano e ficou com o título de campeão por sete longas temporadas. Um ano antes, em 2016, Gabriel Medina vencia em Cloudbreak pela segunda vez, derrotando justamente Wilko, em um mar de aproximadamente nove pés plus, Gabriel surfou tanto que venceria aquela bateria ainda que surfasse com uma perna só. Mas a bateria final não foi nem de longe a melhor bateria do evento, em 2016, um dos maiores surfistas de todos os tempos, para mim, o melhor surfista do mundo sem um titulo mundial para chamar de seu, o australiano Taj Burrow, escolheu Cloudbreak para se despedir das competições, Taj fez contra John John no Round 3, aquela que foi a melhor bateria do evento, eles se alternavam na liderança, a cada onda, um nocauteava o outro com tubos imensos, ao final, tive a sensação de que a bateria poderia ter ido para o Taj, mas John John acabou levando, Taj se despedia das competições somando incríveis 18.60 (9.40+9.20), Jon John somou 18.76 (9.43+9.33), essa bateria foi tão bizarra que cada um descartou ainda dois high scores, contudo, a maior soma daquele evento ficou com o infindável Kelly Slater, 19.77 (10.00+9.77), surfando contra o então Campeão Mundial Adriano de Souza e o contraditório Wiggolly Dantas, Kelly só parou de enfileirar vítimas na semifinal, ao perder para seu maior algoz nos últimos 12 anos, Gabriel Medina.
Em Fiji, a magia do surfe se revela em sua forma mais bela, e Cloudbreak é o epicentro desta magia. Para muitos surfistas, Cloudbreak é o Santo Graal, um lugar onde a lenda se encontra com a realidade, surfar em Cloudbreak é como tocar o céu com as mãos.
Este ano, Cloudbreak retornou à cena com a importância de definir os surfistas que irão para a desempolgante Trestles, existiam quatro vagas para sete surfistas, dentre eles três brasileiros, Gabriel, Ítalo e Yago. A competição começou com o mar pouco abaixo do ideal, foi um festival de baterias sendo vencidas por 10, 11, 12 pontos, quando John John entrou na água elevou o placar para a casa dos 14 pontos, algumas baterias depois, Gabriel Medina fechava o round na última bateria, para variar, foi o responsável pelo show nesta fase, o tricampeão mundial elevou o placar para 17.67 (9.17+8.50), fazendo a maior nota do dia até então, minutos depois no elimination round, em um mar mais encrespado, com vento mais forte, Yago desbancou o 9.17 de Gabriel, anotando um 9.33 contra o GOAT Kelly Slater, Yago achou e completou o tubo que Kelly buscou a bateria inteira mas não conseguiu encontrar, imputando ao mestre dos magos uma eliminação muito antes do que certamente ele esperava.
O Round16 começou e Fiji seguiu sem o GOAT, a medida que as baterias entravam na água os resultados validavam as teorias, Griffin que havia passado pelo elimination round, se reencontrou com seu surfe e avançou contra o Seth, na bateria seguinte, Gabriel Medina surfando contra Jake Marshall mostrou porque dentre os competidores presentes, apenas ele e Kelly haviam vencido em Fiji, a leitura apurada do champ encontrou uma joia de 10 pés entrando, uma onda volumosa, cheia, que exigiu dele comprometimento logo na saída, em uma face perigosa Gabe aplicou um Layback agressivo, para na sequência acelerar em alta velocidade afim de alcançar uma longa seção de tubo que se formara lá na frente, Gabriel se encaixou na seção tubular passando por dentro ainda em alta velocidade, sem desacelerar em momento algum, ainda assim se manteve deep, vencendo a corrida contra várias placas que quebravam a sua frente, até sair com a certeza de que tinha feito 10.00 pontos. Pela terceira vez no ano, Gabriel Medina sai de um tubo com a certeza dos 10.00 pontos, mas os criteriosos juízes, pela terceira vez, lhe deram nove alto, dessa vez a nota exata foi 9.87, ainda assim, a maior nota de toda a competição. Adeus Jack Marshall.
Tudo corria normalmente, com os principais surfistas avançando, até chegar a bateria onde o despretensioso Imaikalani DeVault venceu o líder John John Florence. Imai começou a bateria adotando a estratégia de construir o placar, sabendo que surfava contra um dos maiores surfistas da história, não restou a ele outra alternativa senão pegar uma onda atrás da outra, enquanto isso, depois de fazer um quatro baixo, John John se manteve por muito tempo esperando a onda ideal para ele executar seu show, mas essa onda não entrou, vendo que Imai estava construindo uma casinha, ele resolveu surfar o que viesse, pegou inclusive boas ondas, mas não consegui executar nada, o líder parecia irritado com a falta de tubos, ao tentar descontar sua insatisfação nas ondas, John John caiu em finalizações por aparentemente excesso de força nas manobras, em outra onda ele tomou uma rasteira da espuma, e quando se deu conta da realidade, o tempo acabou e ele perdeu. O único efeito prático desta derrota foi o fato de John John não poder brigar por uma vitória em Fiji, mas para o WSL Finals na enfadonha Trestles, não muda nada, ele continua com a lycra amarela e está a duas baterias do possível terceiro título mundial, mas já não chega lá tão absoluto. O motivo? Griffin Colapinto!
Ainda nesta fase, Ítalo se viu ameaçado de perder sua vaga no Finals Five em virtude de sua derrota para o havaiano Barron Mamiya, existem resultados no surfe que são uma espécie de afronta a realidade, Ítalo perder para Mamiya é uma dessa afrontas, mas a verdade é que o brasileiro não se achou na bateria e o havaiano aproveitou. Neste momento em diante o destino de ítalo estava nas mãos de terceiros, tudo podia acontecer, inclusive nada. Com as derrotas de Gabriel e Yago nas fases seguintes, ítalo confirmou sua presença na quinta colocação para o Final Five.
Na fase seguinte, em um mar já sem nenhum tubo de qualidade, Gabriel e Yago deram adeus ao sonho de disputar o titulo mundial, o tricampeão focou nos aéreos, mas não conseguiu completar nenhum aéreo limpo que fosse suficiente para lhe garantir um bom score, Griffin se mantinha fiel em sua estratégia de verticalizar, e fez isso muito bem, surfando sua melhor onda de toda a competição nesta bateria, anotando um 8.33 que foi o diferencial e acabou eliminando o tricampeão. É importante ressaltar que o julgamento do surfe é subjetivo, e por isso, por muitíssimas vezes, tivemos a sensação de que Gabriel foi mal julgado, mas nesta bateria não, Griffin foi melhor, e nos tempos recentes, ele é o cara que parece mais leve ao encarar Gabriel, por isso tem sido o cara que mais venceu o brasileiro recentemente, juntando-se a Julian e Ítalo como os maiores algozes do tricampeão.
Na bateria seguinte, Yago perdia para o sempre consistente, mas muitas vezes supervalorizado Robbo, e dava adeus ao WSL Finals também, enquanto isso, nossas atenções insistiam em não enxergar Rio Waida passando baterias após baterias com um surfe rápido, vertical e variado. Só na semifinal quando Ethan Ewing tirou 9.00 pontos, obrigando Waida a responder, é que particularmente eu me dei conta do quão consistente o indonésio surfava, Rio precisava praticamente de um 10 para virar, contudo, o indonésio não se abalou, em duas ondas sequenciais Waida respondeu a altura do elegante e eficiente surfe de Ethan, virando a bateria com o placar de 16.26 (8.93 + 7.33). Como Griffin já havia vencido Robbo sem muito brilhantismo na bateria anterior, a final em uma esquerda se formou com dois regulares, com Rio Waida tendo o privilegio de fazer sua primeira final logo na icônica Cloudbreak.
Dentre as meninas, todas as expectativas estavam sobre as performances das convidadas Sierra Kerr, surfista com DNA privilegiado, filha do excelente surfista Josh Kerr, e a talentosíssima Erin Brooks. Tanto Sierra quanto Erin, visitaram o elimination round, Sierra parou ao ser eliminada por Brisa Hennessy, Erin avançou, após um vacilo estupendo de Gabriela Bryan, para na sequência eliminar também as duas maiores sensações do circuito mundial neste momento, Caitlin Simmers e Molly Picklum, para escrever seu nome em definitivo na história de Fiji.
Depois de eliminar as surfistas mais diferenciadas da nova geração, Erin chegou a final para encontrar Tatiana Weston-Webb, que vinha embalada pelo fato de ter chegado em Fiji precisando fazer a final para conseguir sua vaga no WSL Finals, e estar na final. Ao contrário da final masculina composta por regulares, entre as meninas as goofys foram as grandes finalistas. Tati surfou bem, assim como Erin, a brasileira verticalizou (mesmo de front), inverteu direção, cravou a borda, aplicando praticamente os mesmos fundamentos de Erin, mas o approach mais agressivo e a maior velocidade de Erin foram os diferencias para que a canadense criada no Havaí conseguisse sua primeira vitória na elite do surfe mundial, em um palco icônico, ainda como convidada. Erin mostrou que a revolução do surfe feminino está apenas começando, vai ser muito bom ver essa garota surfando todo o tour, neste momento ela é a quarta colocada no Challenger Series, mas ainda faltam duas etapas, espero vê-la no tour em 2025. O surfe agradece.
A final masculina começou e os dois caras que surfaram melhor em um mar sem tubos estavam dentro d´agua, o sempre perigoso Griffin Colapinto e o surpreendente Rio Waida surfavam dentro daquilo que era possível, eles não conseguiram nos fascinar, afinal não foi possível ver o brilhantismo dos tubos, mas surfaram bem, dentro das possibilidades do mar. Com manobras desgarrando a rabeta em lips esfarelados, Griffin surfava com mais velocidade, links mais limpos, mais verticalidade, mais power, mais variação e mais vontade, isso permitiu ao americano uma pequena vantagem sobre Waida, levando ele ao triunfo, se tornando o grande campeão do evento. Pela primeira vez em muitos anos vi uma final em Fiji sem tubos, mas isso é do surfe e isso é o surfe.
Gabriel Medina saiu de Fiji sem a vaga no WSL Finals, mas fez a maior nota do evento 9.87, e também o maior somatório em Fiji, 17.67, em condições pesadas, naquele tipo de mar onde as paredes das ondas ouvem mais preces honestas do que as paredes das igrejas. Ítalo foi o primeiro a perder entre os brasileiros, mas com duas vitorias após o corte, conseguiu se manter na quinta colocação e vai ser o Brasil no WSL Finals. Yago se conseguisse a vaga em Trestles, seria a maior ameaça para todos naquela onda. John John tem que rezar para Trestles oferecer minimamente 5 pés de face para ele ter a oportunidade de ser letal, e Griffin, bem, dentro do atual formato de definição do campeão mundial, chegando em Trestles na segunda posição, ele precisa apenas surfar como vem surfando para ser o primeiro campeão mundial de surfe americano depois de 13 anos, após o último título da era Kelly Slater.
Dia 6 de setembro abre a janela na enfadonha Trestles para a definição dos campeões mundiais de 2024, o Brasil chega com Ítalo Ferreira e Tatiana Weston-Weeb, ambos na quinta posição, a missão não será fácil, mas nem o sucesso ou o insucesso são os resultados finais, a coragem e disposição para encara-los é o que conta, e isso, o brasileiro tem de sobra.
Façam suas apostas, a enfadonha Trestles vem aí para definir quem será o campeão mundial pelo quarto ano seguido, espero que pelo ultimo também.
Até lá.
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