Por: Marcos Aurélio Chagas
Pipeline teve de tudo, mar torto, mar bom, mar pesado, drops insanos, tubos alucinantes, wipeouts, overlapping heats, interferências, duas notas dez, erros de julgamento e o inoxidável Kelly Slater vencendo sua centésima bateria naquele mar.

Na sexta 07 Pipeline despertou, proporcionando um dia histórico de competições, foi um dia absolutamente épico, dando aos surfistas a oportunidade de surfar em um mar lindo, porém critico, exigindo dos atletas comprometimento, atitude, coragem e fissura, a fissura ficou clara no surfe de Ian.
Quando o melhor dia de ondas iniciou, o surfe começou a ser lapidado nas linhas perfeitas de nove pés, os surfistas transformavam suas ondas em expressões de alma.

O sempre favorito Jack Robinson, esculpiu o primeiro 10 da competição, ele surfava contra o rookie mexicano Alan Cleland, que já tinha um 9,50, apesar da onda perfeita, Jack não avançou, ele tinha apenas 2.17 como backup wave, ao terminar a bateria o australiano ficou algum tempo sentado na bancada de areia, olhando para o mar, parecendo não acreditar ter perdido depois de fazer um 10, na verdade a maldição do 10 é mais comum do que se imagina, alguns surfistas já perderam baterias mesmo tendo feito uma nota 10, em um exercício rápido de memória, posso citar a Tatiana Weston-Webb em Teahupo o ano passado, ela perdeu na semifinal para Vahine Fierro mesmo tendo anotado um 10, e, Filipe Toledo em Pipeline 2016, o brasileiro fez um 10 surfando para o Back Door mas perdeu a bateria para aquele que viria a ser o campeão daquela etapa, o taitiano Michel Bourez, o 10 nem sempre representa vitória.

Ao cair, Robbo era o primeiro surfista considerado como um dos favoritos a sucumbir, algumas baterias depois, caia o favoritíssimo para vencer a etapa, John John Florence, geralmente John Jhon é muito bem julgado, mas nessa bateria fiquei com a impressão de que enfiaram o garfo de netuno nele. O bicampeão mundial pegou uma onda para o Back Door, a maior onda da bateria do início ao fim, fez o tubo mais longo, andou com mais velocidade, ficou muito deep, fez aquela que ao meu ver seria a melhor onda da bateria disparada, os juízes deram a John John 9.63, o outro havaiano da bateria, Barron Mamyia, vencedor de Pipeline 2024 justamente sobre John John, fez uma onda curta, que no momento do drop tinha o mesmo tamanho da onda de John John, Barron fez um drop despencando, entubou muito rapidamente, com a onda perdendo tamanho já na zona do drop, mas os juízes enxergaram naquela onda, uma onda perfeita e soltaram o segundo 10 do dia para Barron Mamiya, ao comparar essas ondas e suas respectivas notas, tive a sensação de que os juízes erram convictamente, o que certamente os daria coragem para seguir em frente errando, por convicção. Ao ver essa bizarrice me questionei o quanto eu entenderia de surfe, depois de muito me questionar preferir recuar para não perder a batalha da sanidade.

Ian Gouveia voltou para a elite depois de longos anos, e começar por Pipeline, etapa onde ele tinha feito o melhor resultado de sua carreira, 3º lugar em 2017, lhe fez muito bem, Ian surfou fissurado e leve. Ian venceu Ryan Callinan no soar da sirene, ao dropar para o Back Door na mesma onda que Callinan dropou para Pipeline, nesta troca ficou claro que a onda de Ian era infinitamente superior a onda de callinan, na sequencia o Fabulosinho venceu o estreante Alan Cleland, que havia vencido Jack Robinson no round anterior, nessa bateria Ian fez sua melhor onda da competição, anotando 9.00 pontos, para na sequencia enfrentar o GOAT Kelly Slater. Kelly venceu seu primeiro título mundial em 1992, ano que Ian nasceu, o GOAT entrou no tour há dez mil anos atrás e não tem nada em Pipeline que ele não saiba demais, é inegável que o conhecimento é um poderoso aliado na busca pelas melhores ondas em Pipe, mas saber demais pode ser um fardo pesado para carregar por tantos anos, afinal, quando você sabe demais, todos te observam e buscam lhe superar, Ian, que quando criança convivia com o tio Kelly, certamente aprendeu que para vencê-lo é preciso superar sobretudo a si mesmo, e Ian fez isso, o brasileiro fez a melhor nota do confronto, teve mais volume, criou mais oportunidades e saiu da água com um sorrisão no rosto depois de vencer o GOAT, é possível que Ian entre na história por ter imputado a Kelly sua última bateria em Pipeline, impedindo o GOAT vencer sua 101ª bateria na icônica onda havaiana.

Ao passar por Kelly Ian avançou para a semifinal repetindo seu melhor resultado na elite, que tinha sido ali mesmo em Pipe, Ítalo, do outro lado da chave, era o único brasileiro na competição além de Ian. Os dois entraram na semifinal em lados opostos, poderiam chegar à final, mas naufragaram diante de Barron Mamiya e Leonardo Fioravanti respectivamente, Ítalo e Ian não conseguiram imprimir o mesmo surfe das fases anteriores, as derrotas foram doloridas, mas foram justas.
As meninas entraram na água para as semifinais com duas baterias de gerações diferentes, Lakey Peterson e Tyler Wright de um lado, Caitlin Simmers e Molly Picklum do outro, a geração mais jovem deu o espetáculo e fez aquilo que poderia ser a final antecipada, mas a final na verdade, foi entre Caitlin Simmers e Tayler Wright.

A nova geração feminina vem ofuscando o brilho até da categoria masculina em ondas como Pipeline, mas neste duelo de gerações, onde a experiência de Tyler duela com o ímpeto e o talento de Caitlin, a bicampeã mundial Tayler Wright levou a melhor sobre a atual campeã mundial e defensora do título da etapa, Caitin Simmers, as duas fizeram uma bateria apagada, com poucas ondas e muito vento, Caitin remava nas maiores, geralmente fechadeiras, Tyler optava pelas intermediarias, ondas mais fáceis de finalizar, então, quatro anos depois de ser a primeira mulher a vencer em Pipeline, Tyler se tornava a primeira mulher bicampeã naquela onda, impedindo que Caitlin obtivesse esse título, já que a atual campeã mundial foi a vencedora em Pipe o ano passado.

Já no masculino, parece que os juízes estavam empenhados a garantir uma vitória para Barron Mamiya, não que Barron não tenha surfado bem, ele fez isso em toda a competição, mas certamente aquele 10 na bateria contra John John foi uma nota completamente dissociada da onda que ele surfou, se aquela onda foi 10, a de John John deveria ter sido 12, mas os juízes.... Bem, os juízes não viram assim, parece que eles estão presos em padrões comportamentais que os impedem de evoluir, a WSL deveria começar a se preocupar com isso, existe um ciclo de repetições de erros de julgamento que tem deixado o surfe cada dia mais injusto e chato de assistir. Na final Barron colocou Fioravanti na combinação rapidamente, em uma de suas ondas, ele anotou 9.80 em um tubo veloz, onde ele ficou profundo, contudo um tubo rápido, em uma onda onde ele caiu ao tentar concluir com uma manobra, achei a nota bem alongada. Faltavam quinze minutos para o final e o placar era de combinação, todos achavam que o confronto já estava ganho para o havaiano, menos o italiano. Fioravanti é aquele tipo de adversário chato, um cara não se permite ser derrotado facilmente, então ele começou uma reação que aparentemente destruía o conceito já estabelecido sobre a vitória de Mamiya, mas, quando você estabelece um conceito, ele é difícil de ser quebrado. Leo fez um oito alto e precisava de 9.11 para virar sobre o havaiano, então, o italiano entrou em uma onda para o Back Door, aplicou a técnica de atrasar para se manter mais tempo dentro do tubo, a onda correu com um lip grosso e ele se mantinha dentro lá dentro, o que nos faz acreditar que depois de atrasar ele acelerou, até sair quando ninguém mais acreditava, Fioravanti ainda executou uma bela rasgada e finalizou atacando a junção com força, ele precisava de 9.11, os juízes deram 9.10, sendo que a nota do último juiz demorou muito a sair, o que me induz crer que alguém estaria fazendo contas, ao aparecer a nota do ultimo juiz, um 8.8, a menor entre as avaliações individuais, Fioravanti empatou no placar com Barron, somando exatos 17.97, contudo o havaiano continuava na frente porque tinha a maior do confronto, o 9.80.

É difícil comparar as duas ondas (9.80 de Barron e 9.10 de Fioravanti) e acreditar que a onda do Barron tenha sido melhor que a de Fioravanti, e, por causa desta onda super bem avaliada, Mamiya tenha vencido o confronto, o que se viu na agua não foi exatamente isso, mas tudo isso é justificado por apenas uma frase: “O surfe é um esporte subjetivo”, essa frase valida todo tipo de bizarrices como a que vimos ontem. Acho que chegou a hora de usarmos inteligência artificial com critérios objetivos para o julgamento do surfe, acredito que o esporte ganharia com isso e os resultados seriam mais compatíveis com o que acontece dentro d´agua. Fioravanti foi um gigante, Mamiya também, o julgamento nem tanto.
Abu Dhabi começa na próxima sexta com 14 horas de diferença em relação ao fuso do Havaí, como eu disse na matéria anterior, vai ser um desafio para os surfistas tirarem o JET LAG em seis dias, mas a WSL parece não está preocupada com isso.
A piscina de agua salgada vem aí, espero que lá, os juízes tornem o espetáculo mais justo para os surfistas e com resultados mais conectados com o que acontece dentro d’água.
Até Abu Dhabi.

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