Famosa por seu belíssimo lineup, onde a agua se molda em um point break com profundidade ideal para formar lindas linhas d´água, normalmente imponentes, complicadas e perfeitinhas, Jeffreys Bay é a porta de entrada para a reta final da classificação para o WSL Finals, a etapa está prevista para começar na próxima terça 12/07, o Corona J-Bay Open, tem de tudo para dar contornos dramáticos à corrida daqueles que se qualificarão para a briga pelo título mundial.
Quando os surfistas chegam a J-bay e se deparam com aquele lineup dos sonhos, vem à tona sentimentos contraditórios, êxtase e tensão entram na equação, linhas perfeitas entram a cada série, elas apresentam telas em branco para cada um pintar sua arte, um risco no local errado pode ser a diferença entre sua vitória ou a de seu adversário, não bastasse isso, tem a tensão imposta pelo frio e pelos tubarões, nos últimos anos a competição foi parada algumas vezes em virtude da presença do local máximo do pico, eles sempre aparecem para nos fazer lembrar quem realmente manda ali. Em 2003 Taj Burrow deixou a competição depois de ter avistado um tubarão, em 2007 Mick Lowe também declarou ter visto um, em 2015 o caso mais famoso, quando Mick Fanning foi sondado por um tubarão transeunte na frente das câmeras, com repercussão em todo o universo, em 2017 a competição foi suspensa por minutos novamente com Mick na água, ele surfava contra Gabriel Medina que lhe mantinha sob combinação, como Mick não estará lá esse ano, as chances de um tubarão aparecer são menores.
Brincadeiras à parte Jeffreys é sinônimo de show de surfe, ali cabe tudo, até aéreos que em outrora era tido como algo indiferente, uma espécie de firula, isso porque a onda lhe oferta tudo que é possível fazer com a prancha na água, essa indiferença acabou em definitivo quando Filipe Toledo mostrou ao mundo em 2017 que era possível executar todos os fundamentos com a prancha na água e também aéreos estratosféricos surfando a mesma onda, Filipe mudou o approach e a mentalidade de quem julga. Hoje, cinco anos depois, usando a lycra que lhe coloca no topo do mundo, Filipe continua como o grande favorito em J-Bay, mas falamos dele mais à frente.
Alguns personagens estão de volta na etapa africana, o havaiano Barron Mamiya e Kelly Slater estão confirmados, John John havia sido anunciado na 7ª bateria do Opening Round mas depois seu nome foi excluído da relação. Kelly é um personagem intrigante, ele se ausentou das duas últimas etapas alegando contusão, contudo, o careca curou suas machucaduras surfando ondulações históricos na Indonésia, mudando mais um conceito no surfe, ao se machucar não vá ao médico, pegue um grande swell na Indo e volte 100% recuperado. Ironias à parte o Kelly está escalado para a oitava bateria do Opening Round, ele cai com Miguel e Connor.
Ethan Ewing o 5º colocado do ranking tem uma chance quase única no desenho do atual tour, ele pode subir bastante se estiver inspirado em J-Bay, dentre todas as ondas do tour Jeffreys é aquela que oferta 100% de oportunidade para Ethan mostrar 100% de seu surfe. Direitas longas, paredes amplas, velozes, boa inclinação, tubos e vento terral formam a tempestade perfeita para o surfe de linha de Ethan, se ele cravar a borda e encaixar suas rabetadas no tempo certo pode sair de lá campeão, a extensão da onda é outro fator que beneficia a Ethan, com mais espaços para manobras, diminui o risco de um aéreo executado por um adversário ser um fator determinante no placar, acredito que o aussie saia de lá no mínimo mantendo sua colocação, mas existem boas chances dele melhorar.
Griiffin Colapinto é o 4º colocado, além de um surfe de borda extremamente versátil, moderno, com velocidade, força e fluidez, ele tem a seu favor a “intimidade necessária com os canudos” para encarar a seção de Supertubes e o jogo de aéreos para tentar impulsionar um pouco mais suas notas, o americano tem surfe de campeão, já venceu duas etapas esse ano, mesmo tendo perdido de primeira em Saquarema se mostrou centrado, maduro, com a cabeça focada em um objetivo, não deixar sua vaga entre os cinco finalistas escapar por entre os dedos como aconteceu no ano passado. Griffin é a única expectativa de títulos mundial de seu país, com a decisão mais uma vez sendo disputada em seu quintal, certamente ele não vai deixar isso escapar novamente, assim como Ethan, Griffin tem em J-Bay um portal que pode lhe colocar em definitivo entre os cinco melhores.
Desde que entrou no tour em 2015 Ítalo vinha tendo péssimos resultados em Jeffreys Bay, sempre parando no terceiro round, até que 2019 chegou e ele fez uma final absurda contra Gabriel Medina, uma final histórica entre dois goofys, 35 anos após a vitória de Mark Occhilupo, último goofy a vencer por lá. Apesar do tricampeão ter vencido a etapa imputando a Ítalo uma situação de combinação, o Brabo surfou muito durante todo o evento, J-Bay é uma direita longa, particularidade que extrai o melhor de Ítalo, ele cresceu surfando direitas, contudo, dentre os cinco atuais finalistas Ítalo é o único goofy. Como J-Bay exige muita borda, surfar de costas para a onda pode se tornar uma desvantagem nos detalhes que determinam quem avança ou quem perde, já que aplicar borda de costas para a onda não é exatamente algo que traga boas pontuações, para o goofy, a única opção de bons scores em J-Bay é a combinação de grandes manobras com tubos ou grandes manobras com progressividade, mas, grandes manobras de costa para a onda exige parte crítica para atacar verticalizando na entrada e na saída, isso geralmente só acontece em J-Bay na seção final, em uma seção cujo o nome já diz quase tudo, “Impossibles”. Executar grandes manobras na saída quase sempre é exclusividade dos regulares, eles surfam de frente para a onda em J-Bay por isso estão mais aptos a executarem arcos mais amplos que caracterizam grandes manobras com a borda, a exceção desta regra é quando o swell está próximo de chegar a oito pés, nestas condições a onda oferta parte crítica em todas as seções, o que permite que os goofys possam verticalizar com maior grau de comprometimento, como foi em 2019 quando Ítalo ficou com o vice campeonato, em 2022 a previsão é que as ondas estejam ainda maiores que 2019, o que não é bom para ninguém, mas é uma arma para Ítalo, já que ninguém é mais “go for it” que ele. Dos cinco primeiros, Ítalo talvez seja aquele que tem a tarefa mais difícil em J-Bay, mas a vida dele nunca foi fácil.
Dos cinco, Jack Robinson é aquele que vai competir em Jeffreys Bay pela primeira vez, ser vice líder do ranking deve lhe dar muita confiança, apesar dele chegar lá chatiadinho, o aussie saiu do Brasil entalado com uma derrota que ele considera ter sido injusta, inclusive declarou isso publicamente, independentemente de ser regular, ter vencido duas etapas e ser vice líder do ranking, existe uma deficiência no surfe de Robinson que é algo muito caro em J-Bay, seus arcos são muito curtos se comparados aos de Filipe, Griffin e Ethan, observem que, ao contrário destes caras ele não consegue manter o pé de trás empurrando, se isso não for corrigido ele pode se dar mal em Jeffreys, o que certamente não comprometerá sua vice liderança, muito menos sua vaga nos Finals Five, mas, entre todos os regulares que estão entre os cinco, eu diria que Jack Robinson seria minha última aposta.
Recapitulando a história de J-Bay, em 2017 vimos a maior apresentação que um surfista já havia feito nas ondas do leste africano, ela foi do showman Filipe Toledo. Naquele ano provavelmente Filipe formatou sua mente no intuito de apagar tudo que ele já havia visto ser feito por ali, o motivo? Escrever um novo manual de instruções de como abordar aquelas massas d´água de uma maneira que ninguém jamais havia se quer pensado em fazer.
Apenas para relembrar o quão Filipe Toledo pode ser letal em J-Bay, vamos abordar duas baterias daquele ano. Logo na segunda fase Filipe deu seu cartão de visitas para um esforçado Kanoa Igarashi, a velocidade e precisão que Toledo imprimia nas manobras jamais foram vistas nas perfeitas direitas do indico, ele atropelou o japonês de tal forma, que, metaforicamente falando era impossível reconhecer o corpo, Filipe fez 19.63 de 20 pontos possíveis, marcando seu primeiro 10 do evento com um tubo, enquanto o esforçado Kanoa marcou 12.83.
Na quarta fase onde ninguém era eliminado, em um confronto conta o poderoso local Jordy Smith e o sempre candidato a título Julian Wilson, dois dos mais perigosos surfistas do tour, Felipe parecia Senna alcançando a perfeição ao dirigir sua McLaren a 300km por hora nas estreitas ruas de Mônaco, já seus adversários, pareciam minha amada mãe dirigindo seu carro popular a 40km por hora em avenidas de alta velocidade, sem nunca encaixar a quinta marcha.
Nesse confronto Filipe surfou aquela que até hoje pode ser chamada de “a melhor onda da história de J-Bay”, ele mostrou ao mundo sem parecer esboçar nenhum esforço que nas direitas africanas além de muito base lip e muita borda, cabe sim o suprassumo da progressividade, e que era possível unir esse fundamento aos demais. Então Felipe adiantou mais uma vez a 300km por hora, aplicou dois aleyoops estratosféricos, finalizando a onda com mais seis manobras diferentes, variando em rasgadas com trocas de bordas perfeitas, até floaters e batidas com muita pressão, o que resultaria em seu segundo dez da competição. É importante ressaltar: Essa onda só valeu 10 pontos porque pela regra não é possível pontuar 20. SEM MAIS.
Cinco anos depois Filipe chega em J-Bay campeão da etapa anterior, líder do circuito com dez mil pontos à frente do vice líder, com a segurança de quem já fez cinco finais ao longo do ano e com a certeza de que nenhum resultado pode tira-lo do WSL Finals, combinação perfeita para o show do nome mais letal em J-Bay.
Quando olhamos para a apresentação de 2017 nos perguntamos: Será que Filipe é capaz de repetir aquele padrão de performance? A resposta é: A observar seu ano e sobretudo sua vitória em Saquarema, sim, Filipe é capaz!
Independente de repetir a avassaladora vitória de 2017, se Filipe surfar 50% daquilo que surfou naquele ano, ainda assim será o campeão, o que aliás aconteceu no ano seguinte, em 2018. Em meu ponto de vista o único fator que pode tirar a vitória das mãos de Filipe Toledo em J-Bay são as condições, se as previsões se confirmarem na casa dos 12 pés tira dele a possibilidade de combinação de grandes manobras com progressividade, deixando ele apenas com as grandes manobras, igualando-o aos demais, e, quando as performances são muito iguais, entra no jogo a tal subjetividade, elemento que sua superioridade aboliu do julgamento em 2017, ainda assim, com todas essas variantes na mesa, Filipe é o grande favorito para vencer em J-bay.
O super local Jordy Smith assim como Filipe já venceu duas vezes em Jeffreys, nos longínquos 2010 e 2011, mas diferente do brasileiro ele não aparenta nem de longe estar em condições de vencer este ano. Apesar de seu surfe ser um dos que melhor se encaixam naquela onda, o brilho dos novos protagonistas parece ter apagado a gana de Jordy, aos 34 anos e sem nenhum resultado expressivo na temporada é difícil acreditar em uma reação.
Entre as meninas é impossível não apostar em Carissa Moore, lembrando que Johanne Defay é a mais perigosa competidora do momento e que as condições podem privilegiar o surfe da vice-campeã mundial Tatiana Weston-Webb e da perigosa Courtney Conlogue.
A previsão está dizendo que será o maior mar da última década na baia do Capitão Jeffrey, talvez o maior da história, o fuso é ruim, mas o cenário é perfeito para o show de surfe, J-Bay começa na próxima terça, até lá.
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